segunda-feira, 23 de julho de 2007

"A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."

Por Luiz Carlos Lodi da Cruz
padre, presidente do Comitê Pró-Vida de Anápolis (GO), bacharelando em Direito


Um artigo controvertido

Um dos trechos mais controvertidos do Código Civil de 1916 é o seu artigo 4º:

"A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro."

Vários juristas, ao longo dos anos, observaram a contradição interna do dispositivo. Da primeira parte ("A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida") conclui-se que o nascituro não é pessoa. Seria, no dizer de vários autores, uma expectativa de pessoa (spes personae). Se não é pessoa, o nascituro não deveria ter direitos. No entanto, diz a segunda parte: "mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos [no plural] do nascituro". Ora, se o nascituro tem direitos, então ele é pessoa. Não se trata de simples "expectativas de direitos", mas de direitos atuais, dos quais o nascituro goza desde a concepção. OTÁVIO FERREIRA CARDOSO enumera os direitos do nascituro:

— ser adotado, com consentimento do seu representante legal (CC, art. 372);

— receber doação, se aceita pelos pais (CC, art. 1.169);

— adquirir por testamento, se concebido até a morte do testador (CC, art. 1.169);

— ter um Curador ao Ventre se o pai falecer e a mãe, estando grávida, não tiver pátrio poder, notando-se que, se a mulher estiver interdita, o seu Curador será o do nascituro (CC, arts. 458 e 462 e seu parágrafo único);

— ver reconhecida sua filiação e até mesmo pleiteá-la judicialmente por seu representante;

— suceder, seja legitimamente ou por testamento;

— ser representado nos atos da vida jurídica;

— ter garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, como, por exemplo, direito à pensão por acidente profissional sofrido por seus pais;

— proteção penal garantindo-lhe a vida e o direito de nascer, etc.

É, assim, indubitável que o nascituro não tem apenas "expectativa de direitos", como querem alguns. Tem "personalidade jurídica": é pessoa natural, mesmo sem ter nascido, personalidade esta que só termina com a morte. (1)

WALTER MORAES resolve a questão fazendo distinção entre personalidade formal (não reconhecida pelo Código Civil) e personalidade material (reconhecida pelo mesmo Código, ao declarar o nascituro sujeito de direitos) (2).

FRANCO MONTORO afirma com veemência que o nascituro é pessoa desde a concepção, embora não tenha qualquer capacidade de exercício e goze de uma relativa capacidade de direito (3).

SILMARA J. A. CHINELATO E ALMEIDA abraça a teoria concepcionista, que defendeu em sua tese de doutorado.

Para ela, a personalidade começa com a concepção, "considerando que muitos dos direitos e ‘status’ do nascituro não dependem do nascimento com vida, como os Direitos da Personalidade, o de ser adotado, o de ser reconhecido, atuando o nascimento sem vida como a morte, para os já nascidos" (4)